CORREIO DOS AÇORES
30 de janeiro de 2022

Crónica da Madeira

Os Flamingos de Adonis

Por: João Carlos Abreu

 

Toda arte é uma forma

de literatura, porque toda arte é dizer qualquer coisa. 

Há duas formas de dizer-falar e estar calado.

As artes que não são a literatura  são as projeções de 

um silêncio expressivo. Fernando Pessoa

in “Presença nº 48” (1936)

 

Voar mais alto é ambição humana. Voar nos céus da própria imaginação é o esplendor da realidade que nos rodeia e nos faz inventores de mundos novos. O sonho comanda a vida: a descoberta de paraísos mergulhados nos oceanos; terras que se perdem na distância, onde o bater das asas dos pássaros são sinfonia, porque eles desenham Danças em céus resplandecentes de sol.

A vida de Adonis é um sonho permanente; é uma história que apaixona, por ele e pelos seus flamingos, onde a cor e a poética se juntam num inacreditável jogo de traços que dão formas e vida às aves, metendo-as em confronto com o homem numa linguagem recheada de beleza. Essas aves elegantes que tatuam sombras, quando se deslocam e estabelecem pactos secretos com o artista - pintor, porque ele rendido à natureza entende-as e as recria através de uma obra extraordinária, com técnicas inovadoras.

Galvão Adonis, o seu segundo nome na mitologia fenícia-grega significa beleza e Juventude. Nasceu nesse país onde as paisagens transbordam em poesia e agigantam-se no esplendor enfeitiçante – Brasil. Ali, onde se misturam todos os credos e raças, há uma infindável quantidade de aves. Os flamingos fazem parte desse universo. Atraído por eles Adonis, jovem, esbelto, sensível e observador atento dedica-se ao mundo das aves, porque as ama e faz delas projeção de silêncios expressivos.

“Adonis explora o mundo das aves para a construção da narrativa do indivíduo diante do mundo, uma narrativa simbólica e subjetiva onde as aves são colocadas no lugar dos homens. Um paralelo entre dois mundos: Ave e Humano” 

Um dia Adonis decidiu sair do Brasil, nada acontece por acaso, chegou à Madeira. Apaixona-se loucamente Pela ilha. Às vezes digo que a paixão é uma invenção, mas aqui influenciou-o as paisagens, o olhar doce das crianças, o sorriso da população, o exotismo tropical que, ao mesmo tempo, se veste de Europa nos seus hábitos.

Cabelos longos, despenteados, olhar expressivo Adonis, tem um discurso bem construído, as palavras com ritmo musical. Ele não me conhecia pessoalmente, mas fazia questão que eu visitasse a sua exposição. Através de um amigo fez-me um convite. Lá fui e devo dizer que fiquei encantado com os seus flamingos. É como se eles se movimentassem no grande salão e viessem ao meu encontro e me abraçassem na alegria de um festival de amigos.

Leio de novo as palavras de Manoel Canada, um texto bem elucidativo, que transmite a força e a sensibilidade do artista:

“Adonis revela um olhar para a nossa origem e a nossa sociedade. Plasticamente a leveza do trabalho, com a construção estrutural do flamingo, com a sua cor e contorno.

Traz uma alegria, uma composição dentro da rigidez de formas e linhas, onde as cores poeticamente preenchem o espaço numa afirmação cromática, reduzida a poucas tonalidades.”

Adonisa beleza dos teus flamingos é o testemunho do teu talento e sensibilidade; é  teu olhar estendido num campo mais vasto que alcanças com a tua alma vestida de amor. A tua linguagem poética tem a beleza das deusas que te atraem e influenciam.

Parabéns pela tua obra e obrigado pelos momentos enriquecedores que me proporcionastes.

 

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